quarta-feira, 24 de outubro de 2007

ENTREVISTA COMPLETA: JOSÉ CASTILHO MARQUES NETO

ENTREVISTA: JOSÉ CASTILHO MARQUES NETO
Por Luciano Segura


Leia a seguir a entrevista com o filósofo José Castilho Marques Neto, que complementa a seção “Perfil” da edição impressa de Discutindo Língua Portuguesa 8. Neto é professor assistente doutor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, diretor-presidente da Fundação Editora da Unesp, presidente (até agosto/2007) da Associação Latino-Americana de Editoras Universitárias e secretário-executivo do Plano Nacional de Livro e Leitura (PNLL) dos ministérios da Cultura (Minc) e da Educação (MEC).



DISCUTINDO LÍNGUA PORTUGUESA – Como entender a escolha dos dez pontos tratados no PNLL?

José Castilho Marques Neto – Os dez pontos escolhidos como metas para o quadriênio são, no meu ponto de vista – e esse conjunto de coisas se tornou consensual no Brasil –, aquilo de que o País precisa em termos de livro e leitura. Talvez, obviamente, haja alguma corrente – dos grupos de escritores, editores, livreiros, mediadores, bibliotecários, etc. – que possa achar que falta alguma coisa. É claro que em um texto de consenso sempre alguma coisa vai faltar, mas eu estou com bastante convicção de que sabemos exatamente o que precisa ser feito. Eu tenho quase 30 anos nessa área e acho que nós temos hoje um consenso forte para saber exatamente o que precisa ser feito. Com força, pelo menos da área do livro e da leitura, suficiente para que isso ocorra: é um plano da sociedade e do Estado. Nós temos dois ministérios, que são os que tratam do livro e da leitura, o Ministério da Cultura e o da Educação, absolutamente identificados com o projeto. São criadores e gestores últimos do projeto. Há uma conjunção muito boa entre vontade da sociedade e vontade do Estado brasileiro não só do ponto de vista federal. Eu tenho conversado com inúmeros Estados, cujos governadores e autoridades, secretários de Educação e Cultura, em certa unanimidade, acreditam hoje foi conseguida uma boa proposta de trabalho em torno do livro e da leitura. Eu acho que nós estamos num momento muito bom... É um momento de um vértice, talvez, para modificar a situação do livro e da leitura.



DLP – Ainda que essa conjunção de elementos leve a uma perspectiva positiva, não será fácil conseguir as mudanças, não é?
JC – Claro... Como tudo, [como] num livro, não é um passe de mágica. Eu estou acostumado também ao fato de as pessoas acharem que um livro se faz assim, da noite para o dia, porém a gente sabe que o processo é muito longo. Começa lá na criação do autor, que vai ter a idéia, que vai elaborar, vai escrever, até chegar às mãos do leitor. Quando esse livro está sendo lido, termina o processo. Essa caminhada é muito longa. Nós temos absoluta consciência de que o caminho do PNLL é muito longo, por isso ele está sendo concebido inclusive como política de Estado, e não como política de um Governo; uma política de Estado tem que perdurar. Acredito que o Governo que se inicia agora tem fôlego para isso, porque é realmente um consenso muito grande de todas as partes quanto à necessidade das mudanças que propomos.
Leitura em 1º Lugar
DLP – Quais as metas do Ensino? JC – Nós temos algumas metas importantes, mas a principal delas é o aumento da capacidade leitora do País, que é baixa... muito baixa... Em índices de consumo da indústria editorial, 1,8 livro per capita por ano. Há dados vários que mostram a má qualidade da leitura... Há iletrados formados: isso é gravíssimo, gravíssimo. Há altíssima porcentagem de brasileiros que passam pela escola e não conseguem ler mais que informações básicas de uma folha de papel. Tudo isso está referendado por dados internacionais, por pesquisas. Nosso grande objetivo é mudar isso; é dar capacidade leitora, não só aumentar o número de leitores, mas também capacitar melhor aqueles que pretensamente deveriam ler. Essa é a grande meta do plano: questão da leitura, da capacidade leitora, que une todos esses seguimentos de que falamos [escritores, livreiros, bibliotecas, etc.], o que faz mover essa grande roda da palavra escrita, que tem “n” interesses: culturais, acadêmicos, patrióticos, físicos, nacionais e, ao mesmo tempo, interesses econômicos. Não se pode esquecer que faz parte do ciclo econômico do livro, da indústria editorial. É legitimo que isso ocorra.

DLP – Não haveria certa falta de foco nesses interesses?JC – Não. Todos esses interesses, os mais diversos interesses – que sejam de Estado, sejam interesses públicos, sejam interesses privados – convergem para essa unanimidade que é a questão da capacidade leitora. Se nós tivermos isso como meta, o restante da máquina se move. Os autores podem escrever, pois vai haver leitores; a indústria pode produzir, que vai haver compradores. Assim, o Estado fica melhor, e a nação fica melhor porque vai haver pessoas informadas — civicamente formadas dentro de ofertas democráticas de leitura, das mais variadas ordens. O leitor escolherá aquela que ele quiser. Eu acho que essa é a situação ideal para um país que pretende se civilizar, democrático, logo esta é a grande meta: o aumento da capacidade de leitura.

DLP – Esse plano se organiza em quatro eixos, não é?JC – São quatro os eixos principais: o primeiro é a democratização do acesso. Não há a possibilidade de nós pensarmos um país com as dimensões do nosso, com problemas graves do ponto de vista da qualidade, sem uma forte política para democratizar o acesso ao livro. Nós entendemos a palavra livro com a concepção contemporânea. Não é apenas um suporte de papel.Também não entendemos como leitura apenas a de textos escritos: há uma concepção ampla do que é leitura: a leitura pictórica..., enfim, toda essa gama de entendimentos de livro e leitura que dão hoje o suporte que faz com que seja importante o brasileiro ter acesso a democratização do acesso, portanto é fundamental, dentro desse processo, reduzir o preço dos livros. Esse item também converge claramente para aquilo que é mais importante e que pode resolver, a médio prazo, o problema da questão das bibliotecas, a quem cabe mais do que qualquer possibilidade de compras individuais. O acesso do brasileiro vai se dar principalmente pelas bibliotecas. E bibliotecas também no amplo sentido da palavra. O mais importante é fortalecer o que já existe quanto às bibliotecas e acabar de implantá-las nos municípios em que ainda não existem. Nós temos ainda cerca de 600 municípios sem bibliotecas. No inicio da gestão passada ao presidente Lula, havia em torno de 1,3 mil sem bibliotecas. Foram implantadas em torno de 700. Agora temos ainda umas 600 bibliotecas para implantar. A meta é chegar a esses municípios em dois anos.

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